quarta-feira, 16 de julho de 2008

Lisboa com Carmona contra cedência da Casa dos Bicos

Casa dos Bicos acolherá Fundação José Saramago
in Expresso online, quarta-feira, 16 de Julho de 2008

A Câmara de Lisboa aprovou hoje em reunião do executivo municipal a cedência da Casa dos Bicos para a instalação da Fundação José Saramago, que acolherá a biblioteca do autor prémio Nobel da Literatura.
A cedência foi aprovada com os votos contra do movimento Lisboa com Carmona e do PSD e dos votos favoráveis do PS, Cidadãos por Lisboa, PCP e BE.
O protocolo entre a autarquia lisboeta e a fundação será assinado quinta-feira às 15h30, no salão nobre dos Paços do Concelho, com a presença de José Saramago.
A discussão foi animada, com o presidente, António Costa (PS), a atribuir à “mesquinhez da direita portuguesa” as questões que o PSD colocou sobre o custo das obras de adaptação da Casa dos Bicos à nova finalidade e a necessidade de a proposta ser ratificada pela Assembleia Municipal.
A vereadora do PSD Margarida Saavedra alegou que a proposta pecava por uma “enorme leveza”, nomeadamente por não contemplar os custos das obras de adaptação que a autarquia irá realizar.
“Entendemos que esta proposta deve ser submetida a autorização da Assembleia Municipal”, objectou igualmente a vereadora social-democrata, referindo que o voto dos deputados municipais é necessário porque a cedência está prevista para dez anos, sendo renovável ao fim desse período.
A vereadora social-democrata negou qualquer objecção à figura de José Saramago, sublinhando que também leu a sua obra, e justificou o voto contra com os esclarecimentos que, considerou, não lhe foram prestados.
António Costa respondeu que “a lei é clara” e que, depois de consultado o Departamento de Património Imobiliário, corroborou a sua interpretação de que “a cedência precária é uma competência da Câmara”.
“Não estamos disponíveis que a Câmara abdique das suas competências só porque dá jeito ao PSD”, afirmou, numa referência à maioria absoluta que os sociais-democratas têm naquele órgão autárquico e que poderiam mobilizar num veto à proposta.
O vereador comunista Ruben de Carvalho ainda recomendou o maior “rigor” nesta questão, para que a proposta não ficasse ferida de um problema jurídico, mas António Costa reiterou que a autorização da Assembleia Municipal não é necessária neste caso.
Questionado pelos jornalistas sobre os custos das obras de adaptação do edifício à nova finalidade, o presidente da Câmara referiu que serão “diminutos”, referindo que só a “mesquinhez da direita portuguesa que nunca perdoou a José Saramago ter recebido o Prémio Nobel” pode justificar as objecções levantadas.
António Costa referiu, igualmente, que as obras de requalificação da Casa dos Bicos, independentemente do uso que o edifício tivesse, já tinham sido objecto de uma candidatura às contrapartidas anuais do Casino de Lisboa.
O projecto vai ser elaborado em consonância com a fundação e, se o implicar, será submetido a parecer do Instituto de Gestão do Património Arqueológico e Arquitectónico (IGESPAR), acrescentou.
O vereador e ex-presidente da Câmara Carmona Rodrigues alegou nada ter contra “nem a personalidade, nem a iniciativa”, mas a cedência do edifício quinhentista património nacional situado no Campo das Cebolas, onde actualmente funcionam serviços da Divisão de Cultura.O vereador do movimento Lisboa com Carmona José Manuel Ramos considerou que “a Câmara de Lisboa está a ceder os bifes do lombo”, referindo-se ao valor patrimonial do edifício, “quando podia ceder os bifes da vazia ou da alcatra”.
Também o vereador do movimento de Carmona Rodrigues Pedro Feist considerou “desajustado” um monumento nacional acolher a fundação e afirmou “não se conhecer actividade da Fundação José Saramago”, criada em 2007.
A vereadora do movimento Cidadãos por Lisboa Manuela Júdice, que não quis participar na votação devido à amizade que a une ao escritor, respondeu que a fundação além da exposição “A consistência dos sonhos”, que se encontra patente no Palácio da Ajuda, já realizou concertos no Cinema São Jorge e colóquios na Biblioteca Nacional.
Manuela Júdice congratulou-se, por outro lado, pelo facto de “a Casa dos Bicos deixar de ser um edifício de escritórios”, uma posição que foi igualmente assumida pelo presidente da Câmara.“A Casa dos Bicos podia ser 30 mil coisas, mas a única coisa que tem sido é a instalação de serviços da Câmara. Uma Câmara que se serve da Casa dos Bicos para alojar serviços municipais é a uma Câmara que gere mal o seu património”, argumentou António Costa.
O vereador do Bloco de Esquerda José Sá Fernandes considerou que face às referências aos locais da capital em obras de Saramago como o “Cerco a Lisboa” e “Memorial do Convento”, faz todo o sentido que seja aquele edifício a acolher a instituição.
Sá Fernandes destacou ainda a importância da fundação ficar sedeada em Lisboa quando existia a possibilidade de ficar em Espanha, onde o autor reside. O vereador frisou, contudo, considerar que deveria ser o Ministério da Cultura a pagar as obras de adaptação da Casa dos Bicos.
A Casa dos Bicos vai albergar a biblioteca do Prémio Nobel da Literatura, composta por vários milhares de exemplares, e disporá de uma loja, espaço para exposições e colóquios.
O edifício, situado no Campo das Cebolas, construído em 1523 por D. Brás de Albuquerque, acolhe actualmente serviços do departamento de Cultura da Câmara.
A fundação fica encarregue das despesas de funcionamento e responsável por manter as instalações em boas condições.

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