sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Jornal do Bairro - Entrevista a Carmona Rodrigues

Em directo com: Vereador Carmona Rodrigues

Lisboa merece outro estatuto
A crise política que aqueceu a Câmara Municipal de Lisboa e os Media no início do ano, acabou por ditar a demissão de Carmona Rodrigues do cargo presidente da edilidade. Contudo, o ex-presidente alfacinha não baixou os braços e, através de uma lista independente, recandidatou-se à autarquia lisboeta em Julho. Essa “audácia” foi recompensada, pois o edil, surpreendendo os meios políticos, foi o segundo candidato mais votado.
Texto & Fotos: Túlio Gonçalves



Carmona Rodrigues assumiu as funções de vereador sem pelouro no actual Executivo camarário da capital portuguesa, facto que não impede de ter uma visão muito própria acerca dos problemas e da melhor forma de gerir a capital do País.
Jornal do Bairro – De que forma o seu anterior o seu percurso político o preparou para o exercício das funções camarárias?
Carmona Rodrigues – Como sabe, comecei a minha actividade pública e política como número dois da lista de Santana Lopes nas eleições autárquicas de 2001, tendo assumido as funções de vereador e vice-presidente. Não tinha uma prévia experiência política e na altura foi para mim uma novidade, e uma aprendizagem, que mais tarde me levou a ser convidado para participar no Governo de Durão Barroso.
Já nessa altura me foi útil ir para o Governo com uma experiência não só política mas especialmente autárquica. Senti e sinto que, por vezes, há uma falta de sensibilidade, de conhecimento e de informação dos membros do Governo sobre o que é a realidade autárquica. Portanto, foi-me também útil, como ministro das Obras Públicas, Transportes e Habitação, ter sido previamente autarca em Lisboa. Assim como o foi a experiência ministerial, quando regressei à Câmara como presidente de uma cidade como Lisboa, onde está o Governo, onde existem grandes empresas públicas como o Metro, a Carris, a EPAL, o Aeroporto e o Porto de Lisboa, etc. Tudo áreas que tutelei como ministro. Nesse aspecto, acho que fui feliz por ter tido essa dupla experiência, autárquica e governativa, que me ajudou muito em ambas.
JB – Considera que foi traído quando o PSD e os seus anteriores apoiantes lhe retiraram a sustentação política para continuar à frente do anterior Executivo camarário?
CR – Há aí várias questões. Uma é as pessoas serem arguidas, outra é serem arguidas no exercício das suas funções. E, no exercício das suas funções, mesmo autárquicas, há centenas ou milhares de arguidos em todo o País. Não sei o que se passou em outras Câmaras portuguesas, nem me interessa muito.
Sei é que, como sempre o disse, muitos desses casos vieram do passado e foram muito mediatizados. Contudo, acerca daqueles em que estive envolvido, tenho a consciência perfeitamente tranquila sobre o que se passou. Portanto, espero que o tempo venha a dar-me razão, como também já deu há uns meses, quando foi esclarecido e arquivado o célebre caso da EPUL. Esse foi também de bradar aos céus e foi muito enfatizado, com determinados objectivos de destabilizar a Câmara.
Enfim, tudo o que se passa na capital do País tem uma dimensão mais acentuada do que em outras zonas de Portugal. Houve ainda várias forças que contribuíram para essa destabilização e para a queda da presidência da CML, a começar por vários sectores do PSD que, aliás, já tinham contribuído para a destabilização e a queda do Governo de Santana Lopes.
“À medida que o tempo passa torna-se mais claro o que se passou em muitos sectores do PSD, que contribuíram para a queda do anterior Executivo camarário”
JB – Como encara o seu resultado nas eleições autárquicas intercalares. Considera que foi uma vitória pessoal, moral…?
CR – Foi a primeira vez que em Lisboa houve candidatos independentes. E uma lista de independentes ficar à frente de partidos como o PSD, o PCP, o CDS-PP ou o BE, é obviamente um excelente resultado.
Tenho pelo menos duas interpretações. Uma, foi de facto ter havido um grande número de lisboetas que renovaram o voto de confiança na minha própria pessoa. E isso tem várias leituras e consequências políticas que é, desde logo, as pessoas terem afastado muito todo o nevoeiro, todo o fumo que se criou à volta de mim e da minha equipa. Outra coisa é as pessoas na rua terem estabelecido comigo uma confiança que foi renovada.
Outro aspecto que está e esteve muito presente nestas eleições intercalares, e que esteve noutras autárquicas, já em 2005 , é aparentemente a classe e o sistema político/partidários sofrerem de um grande desgaste junto do eleitorado. Isso faz com que as pessoas apoiem mais facilmente movimentos cívicos de cidadãos independentes, ou então se abstenham. É uma conclusão que se pode tirar também do resultado destas eleições.
JB - Poderá considerar-se que toda a sombra que pairou antes destas eleições intercalares acabou por ter vantagens em termos democráticos?
CR – Em certa medida, penso que pode ter sido um certo refrescar, uma certa forma diferente de viver a democracia participada e o exercício de cidadania, que até agora estava praticamente resumida ao leque partidário. Aliás, muitos desses partidos muito fizeram para obstruir a apresentação das candidaturas independentes. Além da própria Lei não ter permitido, neste caso, que os movimentos cívicos independentes tivessem tido tempo de antena na televisões. O que é extraordinário, pois todos os outros partidos, mesmo aqueles com resultados inexpressivos, tiveram tempo de antena.
JB – Sente-se de alguma forma “ferido”, dada a sua anterior experiência camarária, por não lhe ter sido proposto nenhum pelouro camarário?
CR – Não. A Lei autárquica que temos não obriga a que haja uma divisão de pelouros pelos vários vereadores, nem maiorias estáveis no Executivo. Tivemos uma conversa em que isso foi abordado, mas compreendo que politicamente não era fácil para o novo presidente da Câmara fazer qualquer tipo de acordo comigo, ou com o PSD. Éramos as faces mais visíveis dos ataques que todos os outros partidos tinham feito durante a campanha, e responsáveis por tudo o que há de mau nesta cidade.
Portanto, não ficaria bem agora ao partido socialista, tendo dito tão mal da Câmara, ir justamente procurar um acordo com quem era a face do poder antes das intercalares.
“Ainda está por explicar o que levou a este entendimento entre o PS e o BE”
JB – No entanto, como encara o convite feito ao vereador Sá Fernandes do Bloco de Esquerda, cujo resultado ficou aquém de outros candidatos?
CR – Bem, o BE nestas eleições de Lisboa também perdeu, em números absolutos, milhares de votos. Penso, sinceramente, que ainda está por explicar o que levou a este entendimento entre o PS e o BE, que dá um pelourozinho ao BE.
Como já vimos na primeira reunião de Câmara, é curioso verificar agora como o vereador do BE veste o casaco tão rapidamente.
Refiro-me às propostas que foram à reunião de Câmara na semana passada. O BE viu-as a todas com grande beneplácito, digamos até, com um grande regozijo e como sinais de proximidade, de dinamismo, de confiança…
Tudo o que antes eram sinais de coisas gravíssimas, muito preocupantes e alarmantes, de desconfiança, de coisas muito más para a cidade, agora é tudo muito bom. Mas o tempo dirá como vai funcionar este entendimento que, para já, também não garante uma maioria estável no Executivo camarário.
Aproveito para fazer um parêntesis acerca do túnel do Marquês de Pombal. Convém desmistificar a imagem se criou à sua volta, de que por via da providência cautelar interposta pelo vereador Sá Fernandes, o projecto terá sido alterado para melhor. É mentira. Quem diz isso, que diga em concreto o que foi alterado. Apenas aumentou os custos directos, os custos indirectos – relativamente aos prejuízos causados às pessoas que lá vivem, ao comércio, etc-, e o prazo de conclusão. O custo directo avaliado na altura, devido à interrupção das obras, estava estimado em cerca de quatro milhões de euros. Os quais não puderam ser utilizados noutras áreas.
JB – O actual Executivo camarário tem condições para governar Lisboa?
CR – Sim. Eu também estive algum tempo sem maioria estável no Executivo, e não foi por isso que deixámos de levar muita coisa à Câmara, que foi aprovado. Pode é ser mais difícil, mas também tem algumas vantagens democráticas. Tudo o que vier a ser aprovado tem outra base de apoio, mais sólida e consensual.
JB – Que tipo de oposição pretende então fazer?
CR – Vamos criar o nosso próprio estilo, que não é muito diferente de uma oposição responsável, séria e construtiva. Não estamos a fazer uma construção de uma oposição em Câmara só porque queremos amanhã tirar dividendos políticos. Queremos contribuir séria e construtivamente para a resolução dos problemas da cidade, e não alinhar na defesa de causas pessoais ou partidárias.
“Lisboa deveria ter um estatuto diferente. O que o Governo fez em termos das Finanças Locais foi uma oportunidade perdida”
JB – Quais são as matérias ou áreas que mais o preocupam em termos da gestão da cidade?
CR – Uma das minhas primeiras preocupações é o próprio estatuto de Lisboa, que não deveria ter um estatuto igual a qualquer outra cidade do País. Veja-se, por exemplo, o acordo firmado entre o Governo espanhol e a Câmara de Madrid, de cores políticas diferentes, que reconheceu que as grandes cidades, as grandes capitais e centros metropolitanos devem ter um estatuto especial. Lá foi feita a Lei da Capitalidade.
O que este Governo fez em termos das Finanças Locais foi uma oportunidade perdida. Devia ter sido antecedida por uma revisão administrativa das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto. Foi, portanto, um flop político. Continua a tratar-se Lisboa por igual, uma cidade que tem praticamente meio milhão de habitantes residentes, mas durante o dia tem normalmente o dobro. Estão aqui as grandes empresas, o poder Legislativo e Executivo… Lisboa tem umas características próprias e diversas de qualquer outra cidade do País. Quando se fala que temos buracos nas ruas, quem é que contribuiu para isso? Não são só os residentes de Lisboa mas também as pessoas que trabalham e não vivem em Lisboa, e cujos impostos não vêm para Lisboa.
Perdeu-se, por conseguinte, uma oportunidade para configurar à cidade um estatuto diferente que deve ter pelas características próprias que detém, há muito tempo.
“Não faz sentido sermos subservientes ao que os técnicos de uma CCDR, que ninguém conhece, impõem ou condicionam à própria capital do País”
Depois temos outras coisas, como é o caso de uma cidade como Lisboa, para fazer uma alteração a um Plano de Pormenor, ter de esperar pelo Governo e pedir-lhe autorização. Não lembra a ninguém. No sector do urbanismo da Câmara de Lisboa temos cerca de 400 técnicos superiores de Arquitectura e Urbanismo. A Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDRLVT), que depende do Governo, tem uma meia dúzia.E são esses que vão analisar os planos que vêm da capital, para fazer uma alteração de um Plano de Pormenor? É esta falta de afirmação, e até de dignidade, que a capital tem estatutariamente que tem de ser revista. Há muita alteração legislativa que tem de ser feita, inclusive, no domínio da Lei Autárquica.
Existem outras questões estruturantes e fundamentais para a vida da cidade, como é o caso da Autoridade Metropolitana dos Transportes, cuja aprovação está parada há mais de dois anos. Esse organismo é essencial para que se faça a integração ao nível do planeamento, das infra-estruturas, da bilhética dos transportes públicos na área metropolitana de Lisboa e das acessibilidades à capital.
Depois vem a questão das empresas e do que tem de ser feito a nível empresarial. Rever a EPUL, fundir a Emarlis com a EPAL para o ciclo urbano da água integrado , tudo isso vem a outro nível. Temos também de pensar como é que, face à nova Lei das Finanças Locais, se resolverá o problema das dívidas de curto prazo da Câmara, a forma de valorizar os serviços para darem melhor resposta aos munícipes, etc. Mas há toda uma visão de maior altitude, que não pode ser esquecida e deixar de ser feita com o Governo.
JB – Que projectos pretende implementar e de que forma vai pautar as suas funções como vereador?
CR – O fundamental é continuarmos a empenharmo-nos numa coisa que começámos e fizemos neste meio mandato, que é a revisão do Plano Director Municipal (PDM). Em Outubro de 2006 entregámos uma versão acabada da revisão do PDM, para conhecimento da vereação e começámos a fazer reuniões de apresentação.
Agora há que dar continuidade a esse trabalho fundamental. O que temos em vigor, que é a Lei da cidade neste momento, é um PDM de 1994, chamado PDM de 1ª geração, que está bastante desactualizado. Hoje é mais fonte de problemas do que de soluções.Urge de facto rever o PDM, fazendo aprovar um plano de 2ª geração, com novos conceitos e novas abordagens, que permita uma maior flexibilidade e capacidade de resposta consentânea com os desafios que temos de modernidade, de competitividade e sustentabilidade de Lisboa.
JB – As celeumas relativas ao Parque Mayer ou à Feira Popular merecem-lhe algum comentário ou esclarecimento?
CR – Não quero comentar para além daquilo que já disse. Tanto mais que são matérias que agora estão no âmbito de investigação policial. Quero, todavia, relembrar que no princípio de 2005 foi feita uma proposta à Câmara para resolver a questão do Parque Mayer. Em Assembleia Municipal, o PSD, o CDS-PP, o PPM, o PS e o BE, votaram a favor, tendo apenas o PCP votado contra.
A única coisa que quero lembrar é que na base dessa polémica toda, estão essas propostas que foram amplamente analisadas, discutidas, votadas favoravelmente por todas essas forças partidárias e… continuamos num impasse.

Caixa - Perfil
António Pedro de Nobre Carmona Rodrigues, nasceu em Lisboa em 1956. Licenciou-se em Engenharia Civil em 1978 na Academia Militar, especializando-se em Hidráulica Fluvial em 1982, na Holanda.Regressado a Portugal, assumiu as funções de Assistente do Departamento de Ciências e Engenharia do Ambiente da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa.Em 1992 doutorou-se em Engenharia do Ambiente, exercendo desde então as funções de Professor Auxiliar. Entre 1993 e 1996, foi Presidente da Comissão Pedagógica da Licenciatura em Engenharia do Ambiente.Em 2002 integrou o Executivo camarário presidido por Pedro Santana Lopes e em Abril de 2003 assumiu o cargo de Ministro das Obras Públicas, Transportes e Habitação no XV Governo Constitucional. Em Julho de 2004, com a tomada de posse do XVI Governo Constitucional, presidido por Pedro Santana Lopes, Carmona Rodrigues regressou à Câmara Municipal de Lisboa (CML), como presidente. Em Março de 2005, com a queda do Governo, e o regresso de Pedro Santana Lopes à CML, reassume a vice-presidência da edilidade.Em Outubro de 2005 torna-se presidente da CML, ao vencer as eleições autárquicas como candidato independente com o apoio do PSD, obtendo para esse partido o seu melhor resultado de sempre em Lisboa.Após a crise de governação que o obrigou a demitir-se da CML, recandidatou-se à autarquia da capital, através de uma lista independente, tendo obtido um resultado que se pode considerar histórico, ao obter o segundo maior número de votos nas eleições intercalares.Actualmente é vereador sem pelouro da CML.

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